Hoje vamos falar imunidade, uma palavrinha que está sempre na nossa boca: “você deve estar com imunidade baixa”. Quem nunca disse ou ouviu essa constatação?
Com a Covid-19, temos questionado muito o nosso sistema imunológico. Será que o nosso corpo está preparado para combater as doenças que existem e as que ainda estão por vir?
Por que algumas pessoas se recuperam com facilidade da Covid-19 enquanto outras precisam ser internadas, colocadas no respirador e até chegam a falecer? O que as pessoas que não chegam ao estágio mais grave da doença ou que reagem bem ao tratamento têm no organismo que é diferente das pessoas que ficam gravemente doentes?
Primeiro vamos conversar sobre as células do sistema imunológico – os chamados leucócitos ou glóbulos brancos, responsáveis pela defesa do organismo contra agentes desconhecidos (antígenos).
São de vários tipos. Vamos falar de dois deles.
Linfócitos T ou células T são têm o papel de imunidade específica e imunidade celular. Eles levam à autodestruição (chamamos de apoptose) de células invadidas (por vírus ou bactérias), e de células danificadas ou cancerígenas. eles se diferenciam de acordo com sua função ( ex: natural killer, citotóxicas (CD8), auxiliares (CD4)).
Vamos falar do linfócito T CD4+ , que tem o papel de coordenar a função de defesa imunológica contra vírus, bactérias e fungos. ele faz isso principalmente através da produção e liberação de citocinas e interleucinas.
Alguns linfócitos T, que conseguiram combater um invasor específico e eliminá-lo, guardam essa memória e podem viver por muitos anos. Eles serão, no futuro, re-ativados para promover uma resposta mais rápida a um invasor similar ao que combateu no passado. Esse invasor pode ser uma bactéria, um fungo ou um alergeno; e esses linfócitos são as chamadas células T de memória.
Por exemplo, um linfócito que foi ativado para combater sarampo (por contato direto ou por vacina) pode seguir combatendo novas invasões pelo vírus do sarampo e, assim, garantir imunidade vitalícia a esse indivíduo.
Entendido? Até aqui falamos da resposta imune celular. Agora vamos falar da resposta imune humoral. Ela é feita por outro tipo de leucócito, chamado linfócito B.
O linfócito B é a célula que produz os anticorpos ou imunoglobulinas ( Ig). Existem diferentes tipos de anticorpos, com funções diferentes, de acordo com o antígeno que afetam, que são: IgA, IgD, IgE, IgG e IgM.
O anticorpo é produzido contra um antígeno (proteina) especifico, e deixa esse antígeno marcado para ser atacado por outros componentes do sistema imune. Ele pode também neutralizá-lo diretamente, ligando-se a uma parte do patógeno necessária para que ele provoque a infecção.
Podemos produzir milhões de anticorpos, cada um com uma extremidade ligeiramente diferente, que se liga a uma proteína especifica. E podemos inclusive produzir vários e diferentes anticorpos contra diferentes proteínas em um mesmo vírus ou bactéria.
Cada uma destas proteínas é um antígeno.
Têm sido levantadas dúvidas quanto à competência do sistema imune humano em combater eficazmente a SARS-Cov-2 e, em especial, quanto à qualidade e à permanência da imunidade à doença.
Alguns especialistas dizem que “ainda não sabemos se a imunidade será duradoura, nem se é eficaz na proteção contra uma possível recorrência. Até lá todo cuidado é pouco”.
Como tudo em relação a essa pandemia, as incertezas ainda são muitas. Vamos tentar iluminar um pouco essas dúvidas com 5 dados:
Vamos começar por um estudo feito para identificar proteínas potencialmente com poder de antígeno e, portanto, candidatas à vacina ou úteis para o diagnóstico da SARS-Cov-2. Este estudo detectou que 40%-60% dos linfócitos T-CD4 do grupo-controle eram reativos ao atual coronavírus. O que isso significa? Significa que as pessoas que tiverem esses linfócitos são imunes. Um detalhe dessa pesquisa é que os linfócitos estudados estavam armazenados em um banco de congelamento de células da Califórnia, desde 2017, portanto, antes da mutação que gerou o novo coronavírus.
Então, pela primeira vez, foram encontrados indícios de imunidade cruzada, isto é, imunidade contra a SARS-Cov-2 resultante de infecções anteriores por outros coronavírus.
A epidemia de SARS-Cov-1, em 2003, atingiu 8.000 pessoas de 26 países, com letalidade dez vezes maior do que a SARS-Cov-2. A comparação do DNA mostrou que a proteína NP (nucleocapsid protein) do SARS-Cov-1 (2003) e do SARS-Cov-2 (2019) são muito similares; isto é, na mutação de um para o outro vírus, a proteína do NP não sofreu mudanças significativas.
Um estudo com resposta imune celular (aquela das células T de memória – que não depende das imunoglobulinas) comparou a ativação dessa proteína em três grupos de pacientes:
– 36 covid-19 positivo,
-26 sobreviventes da SARS-Cov-1
-37 controles negativos.
Dos infectados pelo covid-19 (SARS-Cov-2), 33% responderam à NP e a outra proteína – a NSP (non-structural protein of ORF1), e 66% responderam à NP. Houve um total de 100% de resposta neste grupo.
No grupo de sobreviventes ao SARS-Cov-1 (já 17 anos após a infecção), também houve 100% de resposta celular. Nesse grupo, 9% responderam a NP + NSP, e 91% responderam apenas à NP.
A resposta imune celular foi, portanto, presente em 100% dos pacientes recuperados dos dois grupos, SARS-Cov1 e SARS-Cov2; e ausente nos controles não expostos.
Como as nucleoproteínas são idênticas, conclui-se que a memória imunológica é de pelo menos 17 anos. (estudo de Le Bert et al. (2020), aprovado para publicação na revista Nature.)
Com relação à resposta por imunoglobulinas (resposta humoral), outro estudo, de IgG específica antinucleoproteína (NP) de 23 pacientes sobreviventes da SARS-Cov-1 (epidemia de 2003), mostrou que 100% dos pacientes respondiam de forma adequada à SARS-Cov-2. Isso revela permanência também da resposta imune humoral contra o coronavírus após 17 anos.
A avaliação de 37 pessoas saudáveis, não infectadas por SARS-Cov-1 nem pelo SARS-Cov-2, expostas a outros coronavírus, mostrou que 30% tem células T reagentes a NP + NSP da SARS-Cov-2, e 20% tem reatividade a outras proteínas, não-estruturais.
Isso sugere que cerca de metade da população mundial pode ter o sistema imune preparado para enfrentar a SARS-Cov-2. Esses resultados, de Cingapura (Nature, Le Bert et al., 2020), reproduzem os achados de outro estudo, na Califórnia (tópico I, Cell, Grifoni et al, 2020), e fortalecem a presença de imunidade cruzada contra a Covid19 em grande parte da população.
Os testes IgM e IgG não servem para diagnosticar, confirmar ou descartar a infecção por COVID. Eles indicam a presença de anticorpos, e por isso, servem para mostrar que você teve contato com o vírus (IgM) ou que você teve COVID-19 e está recuperado ou em recuperação (IgG). Eles devem ser feitos em indivíduos que tenham tido ou que apresentem sintomas da COVID 19 há pelo menos 8 dias, pois eles não aparecem em quantidades detectáveis antes desse período. Entretanto, se o resultado do IgM/IgG for positivo, não significa que você tenha COVID-19. Ele é pouco específico, e pode dar positivo devido a outros tipos de coronavírus, ou até mesmo a outras doenças (é o que chamamos falso positivo).
Se houver sintoma há 3-5 dias ou necessidade de confirmar o diagnóstico de infecção por COVID-19, deve-se realizar o teste Rt-PCR. Este exame mostra a presença de proteínas do vírus, por isso raramente será falso positivo. Para saber mais sobre isso, dê uma olhada no site da ANVISA.
As recomendações do CDC (de 17 de julho) recomendam a suspensão das medidas de precaução de transmissão para pacientes com doença leve ou moderada a partir do 10º dia de início dos sintomas, quando já estiverem sem sintomas e há mais de 24 horas sem febre.
Em casos graves, o período é de 20 dias. Se houver possibilidade de controle laboratorial, duas amostras de swab negativas, coletadas em dias diferentes, deixam antecipar a liberação antes desses prazos (CDC, 2020).
Os resultados obtidos na Califórnia e em Cingapura indicam que metade da população mundial tem o sistema imune preparado para enfrentar a SARS-Cov-2.
A análise dos genomas mostrou que há domínios bem conservados entre os diferentes tipos de coronavírus, o que dá capacidade para reação cruzada contra a SARS-Cov-2.
A prevalência de células T com reatividade cruzada para essas proteínas da SARS Cov2 pode explicar as diferenças, entre os diversos países, nas taxas de infecção observadas nesta pandemia.
O encontro de imunidade celular em pacientes que tiveram SARS-Cov-1, em 2003, com proteção contra a covid19 em 2020, depois de 17 anos, reduz o temor de que a resposta imune à SARS-Cov-2 não se sustente e, então, afasta o temor de nova infecção.
É provável que as pessoas recuperadas da covid19 adquiram proteção longa, que pode se sustentar por pelo menos até 17 anos. Por isso, a testagem em massa, com testes laboratoriais confiáveis pode ajudar na definição da parcela imune da população.
E a notícia ainda melhor é que a letalidade está caindo com a evolução da pandemia. Basta observar as curvas epidêmicas dos países que estão passando pela segunda onda!
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Grifoni, A et al. Targets of T cells responses to SARS-Cov-2 coronavirus in humans with COVID-19 disease and unexposed individuals. Cells. 2020.
Le Bert, N et al.SARS-Cov-2 specific T cell immunity in cases of COVID-19 and SARS, and uninfected controls. Nature. Aprovado publicação em 15 de julho 2020.
Seja muito bem-vindo ao meu blog. Um espaço onde compartilho todo o meu conhecimento sobre o universo da terceira idade. Fonte de inspiração para bem cuidar de um idoso. Boa leitura.