Esta semana, o Alzheimer esteve no foco da atenção dos médicos e da mídia!
A FDA (órgão regulatório americano) aprovou o Aducanumabe, primeiro tratamento capaz de reduzir o declínio neurológico. Uma conquista, pois, além de não focar apenas nos sintomas, mas sim na raiz da doença, trata-se da primeira aprovação de um novo tratamento para a doença em 18 anos!
No entanto, especialistas têm questionado a medicação,
afirmando que os estudos foram inconsistentes e que mais evidências seriam necessárias antes da liberação do uso. Isso porque o Aducanumabe foi estudado em pacientes com doença inicial e 43% deles apresentaram inchaço ou sangramento do cérebro, na Fase 3.
Os médicos defendem que, mesmo que o Aducanumabe possa retardar o declínio cognitivo em alguns pacientes, os benefícios não superariam o riscos de inchaço ou sangramento no cérebro observados durante os testes. Já o FDA alega que os benefícios do tratamento superam os riscos impostos pela sua aprovação antecipada.
Outra alegação é que a aprovação do medicamento foi acelerada, com uma forma de oferecer terapias “potencialmente valiosas”, mas com dúvidas residuais em relação a sua efetividade. O próprio FDA chegou a não ter certeza sobre a eficácia da droga, que segundo a agência – em um relatório anterior publicado – mostrou que especialistas sugeriram não se liberar o remédio sob a alegação de que faltavam estudos que ratificassem sua eficácia.
O FDA disse que irá monitorar o medicamento e pede à Biogen, a empresa responsável, que comande um novo estudo para garantir os benefícios do uso do medicamento.
O posicionamento da American Geriatrics Society (AAG) é que a liberação do FDA é precipitada, uma vez que ainda não existem provas de que a droga reduza a progressão da doença, nem que os (possíveis e não comprovados) benefícios sejam superiores aos malefícios gerados por possíveis efeitos colaterais.
Confira os principais itens questionados pela AAG:
Aducanumab é um anticorpo monoclonal humano testado em 2 estudos fase III planejados para 18 meses de acompanhamento em pacientes com doença de Alzheimer leve ou prodrômica (isso é, sem quaisquer sintomas, mas com alterações neurológicas típicas do Alzheimer: as “placas amiloides”, identificadas pelo exame de pet-scan, uma tomografia por emissão de pósitrons, que faz um “escaneamento” do sistema nervoso por via intravenosa).
Os estudos foram interrompidos na metade do prazo planejado (em março/2019), devido à ausência de eficácia. Uma análise posterior (chamada pela ciência de análise pós-hoc) dos dados dos estudos encontrou informações conflitantes entre os 2 estudos, com um deles (EMERGE) mostrando benefícios quando utilizadas altas doses do medicamento.
O posicionamento da American Geriatrics Society (AAG) é que a liberação do FDA é precipitada, uma vez que ainda não existem provas de que a droga reduza a progressão da doença, nem que os (possíveis e não comprovados) benefícios sejam superiores aos malefícios gerados por possíveis efeitos colaterais. Descrevo abaixo os principais itens questionados pela AAG:
- Os ensaios clínicos de Aducanumab ficaram incompletos: os dois ensaios da Fase III foram interrompidos na metade do prazo previsto. O comitê independente de monitoramento de dados havia conduzido uma análise que mostrou futilidade nos resultados e achou improvável a droga chegar aos desfechos (resultados) primários desejados para demonstrar eficácia.
- A relevância clínica dos achados positivos do Aducanumab é ambígua. Embora os ensaios tenham demonstrado uma redução significativa nas alterações medidas pelo exame de pet-scan (reducão densidade das placas amiloides) em um ano, o benefício clínico foi menos certo. A piora do escore de Classificação da gravidade da Demência Clínica (chamado CDR), foi menor no subgrupo tratado com 10 mg/kg (p=0·05) da droga do que no grupo placebo. Embora tenha havido pequenas mudanças em alguns outros indicadores, a importância clínica dessas pequenas alterações é provavelmente mínima. Do ponto de vista do cuidado, para estabelecer verdadeira relevância clínica, o estudo deveria demonstrar benefícios claros no que mais importa para o paciente da DA e seus cuidadores: a memória, as alterações de comportamento e o desempenho funcional. Uma vez que as medidas utilizadas nos ensaios não podem abordar essa questão-chave, a Sociedade Americana de Geriatria considera as evidências inconclusivas. Além disso, a duração do ensaio reflete apenas uma fração da duração real da doença, e a seleção dos participantes limitou-se a um período de evolução da doença em que as taxas individuais de agravamento são discretas ou muito variáveis.
- A aprovação se baseou em um único e incompleto estudo. Embora a AAG entenda que a FDA possa aprovar um novo medicamento baseado em evidências de um único estudo, a orientação regulatória (do FDA) exige a importância de que características “assegurem a capacidade de um único estudo em apoiar a conclusão de que existam evidências substanciais de eficácia”. Um resultado negativo em um único estudo equivale à probabilidade de que o resultado real seja positivo em outro estudo semelhante. Além disso, uma vez que o estudo foi interrompido no meio do caminho pelo comitê de monitoramento de dados, aprovar a droga com essas evidências científicas vai contra a orientação regulatória.
- A análise pós-hoc deve ser geradora de hipóteses e não utilizada para aprovação da FDA. Um revisor estatístico da FDA observou que as análises baseadas em uma seleção pós-hoc do melhor de dois ensaios clínicos randomizados (aqueles que atingem significância estatística) sem métodos que identifiquem a escolha proposital dos dados selecionados para a análise aumenta os riscos de se selecionar inadvertidamente dados exatamente por serem consistentes com os resultados que se esperava. Por exemplo, o efeito visto no EMERGE poderia ser atribuído a uma piora maior da cognição no grupo placebo, portanto, independente do uso da droga.
- Esta não é uma droga livre de efeitos colaterais. Houve incidência substancial de eventos adversos que levaram à descontinuação da droga no estudo EMERGE. Os exames (pet-scan) mostraram que 30 a 40% dos indivíduos desenvolveram anormalidades como edema e microhemorragias no sistema nervoso central. Embora possam ser assintomáticos, eles podem ser graves em alguns casos.
- Não houve nenhuma publicação “revisada por pares” (isto é: quando pesquisadores não vinculados ao estudo fazem uma avaliação deste estudo) sobre esta droga até o momento. A revisão por pares é importante para garantir que a pesquisa seja confiável, que a metodologia seja sólida e que os tratamentos médicos sejam seguros e eficazes.
- Outra questão é sobre as características demográficas dos participantes do estudo. É importante determinar se a idade, o sexo e a representação racial e étnica são suficientes para generalizar os resultados a todos os idosos com DA. As grandes disparidades existentes no acesso ao diagnóstico e ao tratamento não devem ser exacerbadas pela aprovação baseada em populações estudadas não representativas de nossos pacientes. Por exemplo, uma recente publicação de ensaio fase II de outra imunoterapia anti placas amilóides relatou que apenas 3% dos participantes do estudo eram negros e 1% eram asiáticos. Portanto, não se sabe se os resultados se aplicariam a esses grupos raciais.
Em June 2, 2021